sábado, 22 de outubro de 2011

FALSAS COOPERATIVAS E BARBÁRIE

Artigo originalmente publicado em dezembro de 1997, no jornal O Povo. Esse texto e outros serão em breve reunidos na coletânea de crônicas de José Saraiva Jr., intitulada Crônicas para ler no banco da praça, no ônibus, no bar, na sala de espera e até na escola.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

GETÚLIO VARGAS DO SERTÃO CENTRAL

O processo em que o prefeito de Senador Pompeu, Antônio Teixeira, e sua equipe são acusados de fraude em licitações, dentre outras coisas, corre em segredo de justiça. Como, até a presente data, ele e seu vice se encontram presos, a oposição assumiu o poder pela vacância do cargo. Logo, instalou-se o procedimento na câmara municipal, com o objetivo de cassar o mandato popular do prefeito.

Acontece no país uma forte campanha contra a corrupção. Trata-se de uma ação da sociedade civil louvável e independente de cores partidárias. Não obstante esse clima, em Senador Pompeu, poucos acreditam que o prefeito esteja envolvido em tais falcatruas. Realizada pesquisa recentemente, ele se consagra com quase setenta por cento de popularidade.

Algumas ilações à altura desse contraditório fato passam pela cabeça da população angustiada da cidade. Teixeira continua preso, mas sabe-se que as empresas objetos da ação judicial também licitaram com outras cinquenta prefeituras. Por que esses outros prefeitos ainda não sofreram nenhuma consequência judicial? Todos esperam pelo resultado da quebra de sigilo bancário de Teixeira e seu grupo. Caso as provas colhidas não forem suficientes para condená-lo, seria o processo de cassação do mandato do prefeito junto à câmara municipal uma mera estratégia jurídica para um golpe político?

Defendo o julgamento por meio de plebiscito daquele que tem mandato popular. Se o povo o elegeu, cabe a essa mesma gente – após provas expostas, acusação e defesa prontas – julgá-lo através do voto, destituindo-o ou não: eis um dos sustentáculos da democracia direta. O afastamento do cargo de prefeito, por indício de prova, deveria ser circunstancial para não atrapalhar a investigação e nem o andamento da administração. Prisão somente em casos graves e mediante provas irrefutáveis.

No Brasil, todos lembram o suicídio de Getúlio Vargas, tido como um dos melhores presidentes do país, após ser massacrado pela oposição das mais diversas irregularidades. Com o suicídio, ele entrou para a História como o pai dos pobres. Não estaria a oposição em Senador Pompeu fazendo de Teixeira um novo Vargas, respeitadas as devidas proporções, e, desta vez, em vida?

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

QUADRO NA MEMÓRIA

Em muitas ocasiões, vejo-me dizendo a mim mesmo que não soube educar, com a devida competência, meus filhos. E olha que sou um pai que costumava acompanhá-los nas tarefas escolares e orientá-los, se possível. Levava-os para a escola e pegava-os na volta, mas isso até uma certa idade. Até fixei residência no interior para que eles pudessem usufruir de uma maior liberdade, como jogar bola na rua, tomar banho de açude e andar de bicicleta. Estimulava as brincadeiras de esconde-esconde em casa e sempre passávamos as férias juntos, fosse na praia ou no sertão. Posso, pois, afirmar que sou um pai amigo.

A minha grande decepção é constatar que não soube fazer com que eles gostassem de estudar. Não se precipite em me condenar, pois é claro que lhes ofereci um dos melhores colégios particulares da capital, haja vista que carrego a frustração de ter estudado em escolas públicas decadentes. Adianto em mencionar que privilegiei o diálogo e orgulho-me de nunca ter usado da violência para agir com meus rebentos, o que não significa que eu não tenha sido firme em algumas questões que, a meu ver, pudessem lhes trazer sérios problemas.

Não pense que houve falta de carinho. Acredito que excesso também não. Mantemos um relacionamento harmonioso. Ao amanhecer, ainda hoje, todos adultos tomam-me a benção, dão-me abraço e beijo. Talvez seja por conta dessa atmosfera afetuosa que ainda não perdi a esperança de incutir-lhes o prazer do estudo e, nesse ponto, considero-me um incansável. Sempre que surge uma oportunidade, com jeito e carinho – para não me tornar um chato -, dou exemplo de pessoas que estudaram e venceram na vida, principalmente, aqueles que se tornaram sábios.

Poucos pais devem ter levado os filhos tantas vezes às livrarias como eu, pois sempre fui um leitor voraz de livros, revistas e jornais. Essa imagem de pai lendo em uma cadeira ou uma rede, com certeza, compõe um quadro que eles levarão na memória pelo resto da vida. E fico a matutar: meu irmão, por exemplo, bebe umas cervejinhas. Seus filhos também bebem e chegam até ao exagero. Tenho amigos que fumam e os filhos idem. Então não entendo porque essa lógica não acontece comigo.

Vem-me a lembrança de meu pai, agricultor que não concluiu o segundo grau e que, no entanto, teve a perspicácia de me fazer gostar da leitura, naturalmente sabendo despertar em mim o prazer pelo conhecimento. À boca da noite, ao chegar do trabalho, ele tomava banho, jantava e, religiosamente, ia ler o jornal. Passado algum tempo lendo as principais notícias políticas, chamava-me para que eu lesse em voz alta outras matérias do periódico. Às vezes, quando me dava conta, ele estava dormindo, o que me deixava chateado. Com o tempo, ainda que ele estivesse dormindo, eu já não mais me importava e continuava a saciar minha curiosidade de leitor.   

Penso que você, caro leitor, deve estar se perguntando por que eu não apliquei essa mesma fórmula aos meus filhos. Posso lhe garantir que tentei repetir essa ação e não obtive o menor sucesso. Imagine que, quando eu estava prestes a terminar esta crônica, pedi para que eles a lessem. Cheguei a entregar-lhes pessoalmente, mas eles não fizeram um comentário sequer. Até entendo que possam estar vivendo uma rebeldia sem causa, tudo bem. Estão naquele período em que fazem tudo ao contrário do que lhes peço. Diriam os psicólogos que é para chamar a atenção. Mas será que é só porque gosto de Beethoven, Mozart, Bach, Elvis Presley, John Lennon, Raul Seixas, Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Fagner, que eles me atacam de axé music?

sábado, 27 de agosto de 2011

BANDEIRAS E VELAS AO VENTO

As bandeiras vermelhas surgem em cumeeiras, portas e janelas das casas em Senador Pompeu. Como não estamos em época eleitoral, elas chamam bastante a atenção de quem passa. Ao que parece, uma vez por mês, a população também acenderá velas sobre as janelas e as calçadas, embora não seja tempo de romaria. Por que bandeiras e velas marcam o momento de uma cidade que teima em não ser esquecida?

A razão está no fato de terem arrancado o prefeito Antônio Teixeira, na reta final de seu segundo mandato administrativo, de sua cidade e o jogado atrás das grades por suspeita de fraude e desvio de verbas. Por que tão séria acusação ainda não arrefeceu o ânimo popular? O que faz com essa gente continue acreditando em seu prefeito? Sabe-se que existem outras cidades cujos seus respectivos prefeitos estão sofrendo acusações semelhantes e, por conta disso, a população está decepcionada. Ao contrário, em Senador Pompeu, as manifestações em favor de Teixeira demonstram indignação de boa parte de sua população.

Dizem que Teixeira é de origem pobre, que estudou e formou-se em Direito. Foi advogado dos trabalhadores e, assim, tornou-se um cidadão popular em todo o município. Até chegar ao ponto de desbancar a elite política da cidade através do voto e ser eleito prefeito. Realizou boas administrações e, desta forma, acabou por dificultar ainda mais a volta dos ricos ao poder pela via eleitoral, democrática e soberana.

Alguns fazem paralelos entre o ex-presidente Lula e o prefeito Teixeira, pelo fato de ambos procederem de classe humilde, lutarem em favor dos pobres e serem perseguidos pelos poderosos. Lula enfrentou o que ficou conhecido como mensalão; Teixeira passa pela crise em que é acusado de fraude nas licitações. É do conhecimento de todos que Lula sobreviveu, e com sucesso. Quanto à administração petista de Teixeira, ela irá para a História como corrupta ou salvadora do município?

Desse embate, pode-se extrair a seguinte questão: caso o prefeito Teixeira seja condenado pela justiça e sua popularidade continue em alta, o que faz o povo de Senador Pompeu temer tanto a oposição? Por enquanto, esse transtorno tem empurrado a cidade a uma deriva. Espera-se que as bandeiras e as velas içadas pela chama de sua gente humilde soprem outros ventos em direção a um porto seguro.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

LEMBRANDO VOLTAIRE

Qual o prefeito cujo irmão exerce a profissão de carroceiro em sua cidade? E cujos pais, trabalhadores rurais aposentados, continuam morando na mesma casa simples de um conjunto habitacional? Sua família constitui-se de gente humilde e trabalhadora, que quase não teve a rotina alterada após ele ter sido eleito prefeito da cidade de Senador Pompeu.

É importante registrar que ele fez significativas obras em todo o município e que suas origens políticas advêm das pastorais da igreja católica. As pessoas da cidade sabem onde encontrá-lo, afinal, ele tem residência fixa, pode ser visto pelas ruas, toca violão e, vez por outra, toma uma cervejinha pelos bares. Seria à toa o fato de ele estar em seu segundo mandato popular?

Mas vejam, caros leitores, que, de um dia para outro, esse homem teve sua vida totalmente transformada: de quase herói, passou a ser procurado pela polícia, ele e mais de trinta pessoas ligadas à prefeitura. É que existe uma séria denúncia criminal impetrada pelo Ministério Público do Ceará contra o prefeito e seus aliados. Tudo leva a crer que a investigação que estrutura essa denúncia – e talvez outras que virão – foi um trabalho criterioso e bem fundamentado.

O que se estranha nesse triste episódio é o papel da imprensa, ao veicular insistentemente notícias sobre o prefeito – que se encontra preso, neste momento – e carregar uma lógica perversa que deixa subentendido ao expectador menos avisado uma quase condenação. Tudo isso sem falar que o prefeito ainda não foi ouvido, não apresentou provas e nem sequer apresentou seus argumentos de defesa.

Portanto, faz-se conveniente lembrar uma frase do filósofo e escritor francês Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”. Para que a justiça prevaleça, é fundamental ouvir o que o prefeito tem a dizer em sua defesa.

É até natural que seus opositores se animem diante dessa lamentável situação pela qual passa o jovem prefeito de Senador Pompeu. Antes, porém, de se fazer julgamento precipitado e condená-lo, que tal aguardar o outro veredicto que virá das urnas? Talvez as bandeiras vermelhas nas janelas das casas daqueles que esperam o prefeito sejam um sinal de esperança, não de luto.

terça-feira, 24 de maio de 2011

MASCANDO CHICLETES

Aos sábados, a bodega de meu pai tinha seu movimento alterado. Os fregueses vinham de sítios e distritos próximos, em tropas de burro ou cavalo, para comprar mantimentos. Havia um parente e compadre de meu pai que era muito simpático e tratado por todos nós com distinção. Eu era um menino entusiasmado, quase um rapazinho, e sabia que esse compadre tinha duas filhas formosas, talvez da minha idade. Nos fins de semana, era comum eu ajudar a despachar os fregueses e, ao final da tarde, esperar por uns trocados. Em um desses dias, o parente falou a meu pai:

 Compadre, deixe esse menino passar uma semana das férias em minha fazenda.

Fiquei feliz com o convite. Meus pais aprovaram e, como faltavam poucos dias para o início das férias, mamãe arrumou minha sacola e me deu os velhos conselhos para não fazer estripulias. Já chegava julho e, uma vez que as chuvas haviam se estendido até o mês anterior, o ano era de fartura e o verde ainda dominava a paisagem. A fazenda do parente era bem tratada. Além da casa grande alpendrada, havia bastante gado, leite, queijo, feijão, milho maduro e um belo açude na baixa da manga.

Logo que cheguei ao lugar, percebi, nos olhares das filhas do parente, que eu era uma grata surpresa. Fiquei alojado em um quarto vizinho ao das meninas. À noite, com a luz do meu quarto apagado, pude olhar, por entre frestas da porta de madeira, a beleza das meninas ao se trocarem antes de dormir. Numa fantasia de adolescente, eu estava paquerando com as duas: uma olhava profundamente, enquanto a outra piscava e sorria. Teria, quem sabe, dormido no paraíso, não fosse a falta de uma delas em minha rede.

O dia clareou bonito de se andar a cavalo e tomar banho de açude. As duas meninas me fizeram companhia. Entre conversas alegres e frutas comidas na árvore, eu disfarçava o olhar em direção a seus corpos naquelas poses extravagantes de montaria. Elas subiam no cavalo de forma tão natural e elegante que era mesmo improvável não examinar cuidadosamente aqueles movimentos de perna e dorso femininos. Nós três estávamos muito perto um do outro e, em meio àquela dinâmica de sedução espontânea, não me sobrava tempo para definições. Era preciso saber esperar. Na volta, resolvemos cair no açude. E como elas nadavam bem! De vez em quando, num mergulho ou num gesto esparramado, tocávamo-nos os corpos como quem não quer nada.

A galinha caipira com pirão no almoço estava uma delícia. Depois de uma rápida palestra na presença dos pais, foi servido doce de leite como sobremesa. Todos foram tirar uma sesta, como é costume do povo do interior. Por volta das três ou quatro horas da tarde, eu, que cochilava no alpendre, fui acordado com o relinchado de um jumento encurralando uma fêmea ao lado da casa, pronto para fornicá-la. Convém lembrar que os pais das meninas haviam saído. Elas também foram despertadas com o barulho dos animais, uma a cada tempo. A mais nova logo ficou junto à janela que dava para a lateral do alpendre, onde se podia melhor ver o jumento tentando cobrir a jumenta. A outra estava por trás da coluna, em cima de uma cangalha. Uma não via a outra. Ambas não percebiam que, à espreita, eu estava lhes observando. As meninas prestavam muito atenção no procedimento rude e, ao mesmo tempo, carinhoso dos animais. Para meu espanto, seus rostos variavam do pálido ao vermelho, quando, de repente, elas começaram a mascar chicletes.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

QUE BELO!

Que bela a vitória do Ceará Sporting Clube no último oito de maio, ao consagrar-se campeão cearense de 2011! Pena que os torcedores alvinegros quase não puderam comemorar, pois faltou álcool nos postos de combustível e nos bares. Que bela a notícia de que o Padre Cícero está prestes a ser reabilitado junto à cúpula da Igreja Católica em Roma, podendo, mais cedo ou mais tarde, até ser oficializado como santo. Enquanto isso, a região do Cariri, terra do meu Padim, sofre com o grande número de mulheres assassinadas.

Que belo o fato de o número de empregos ter aumentado! Não obstante, ainda cresce o número de assaltos, roubos, sequestros, e não apenas na zona urbana: na rural é que a coisa está feia. Imagine se não houvesse o bolsa família e o ano não fosse de bom inverno! E é porque dizem que a polícia está vigilante e a classe média consumindo de mãos dadas com a inflação.

Que belo é o exercício da democracia neste país, ainda que representativa! Não fosse a carência ideológica dos nossos partidos políticos e a falta de ética na compra de votos, até que se podia imaginar os próximos passos do nosso resistente povo. Que bela a descoberta dos imensos lençóis de petróleo na costa marítima da região sul do Brasil, o denominado pré-sal! Doravante, poderemos sonhar com um futuro melhor para nossas crianças? É pena que já estejam inventando que na mesma região existe uma célula de organização terrorista relacionada à Al-Queada, ou seja, estão plantando a semente de uma invasão ao Brasil.

Que belo um pais com dimensões continentais, mar e tantos rios navegáveis! No entanto, optou-se pelas rodovias, o que há tempos tem se mostrado uma escolha equivocada, principalmente em termos ecológicos. Que belas também são nossas cidades, quase todas asfaltadas aparentemente com o único objetivo de fazer os automóveis atingirem altas velocidades – sim, porque basta uma chuvinha para ficarem alagadas e intransitáveis, sem contar o fato de que o asfalto mais parece uma casca de ovo.

Que belo o povo de uma cidade, com forte tradição inovadora, ter elegido um novo representante em contraponto ao velho coronel e sua maneira autoritária de fazer política! Infelizmente surgiu a famigerada mosca azul e o que era para ser vermelho ficou arrogante, temperamental e indiferente às reivindicações dos trabalhadores e seus movimentos sociais.

SHOW DO FAGNER

Assisti ao show do cantor e compositor cearense Raimundo Fagner no anfiteatro do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza, no dia 27 de abril. Esse show foi diferente e teve como novidade uma maior interação da platéia com o artista. Após blocos de três ou quatro canções, havia um intervalo, no qual um apresentador facultava a palavra ao público presente para que pudessem fazer suas perguntas ao cantor. Seu relato se deteve em variados temas, como a infância, a família e os entusiasmos inspiradores de algumas de suas famosas músicas, dentre outros.

O espetáculo, feito um rosário de histórias e canções, se dependesse dos fãs e do cantor, seguiria madrugada adentro até “pegar o sol com a mão”, conforme diz a letra da música de Luís Gonzaga e Zé Dantas – por sinal, sucesso também na gravação de Fagner. Acredito, pois, que era mesmo a idéia dos que elaboraram o show deixar o público mais perto do artista. A platéia que lotou o anfiteatro pareceu ter saído satisfeita.

Em meio a muitas intervenções, houve, se não estou enganado, um professor de Cajazeiras, Paraíba, que lembrou o primeiro show de Fagner em sua cidade. Segundo o professor, foi uma noite para não ser esquecida em Cajazeiras, e ainda garantiu emocionado que, se Paris é lembrada pela Torre Eiffel e Nova Iorque, pela Estátua da Liberdade, Fortaleza é lembrada pela voz autêntica de Fagner.

Houve também a participação do educador Tadeu, que perguntou ao compositor se fora ele ou seu parceiro Zeca Baleiro quem teve a idéia de fazer a canção sobre o falecido jogador maranhense José Ribamar de Oliveira, o Canhoteiro. Fagner respondeu que a idéia foi de Zeca Baleiro, conterrâneo de Canhoteiro, e logo passou a contar um causo sobre o lendário ponta esquerda que, no início da carreira, chegou a jogar pelo América local e pela seleção cearense, para, em seguida, ser contratado pelo São Paulo Futebol Clube, onde se consagrou como o Garrincha da ponta esquerda.

Pois bem, aproveito para tornar público o convite que faço ao excepcional cantor Fagner para compor uma música em homenagem àquele que foi um dos maiores jogadores de futebol cearense de todos os tempos: Mozart Araújo Gomes, o Mozarzinho. E, só para lembrar, Mozart fez dupla de ataque com Fagner no Beleza Futebol Clube. Afinal, espera-se que saia em breve a biografia “Mozart, a arte em jogar bola”, de autoria deste humilde escritor.

domingo, 1 de maio de 2011

ZÉ MARIA DO TOMÉ


Fui criado com pirão, leite e bastantes frutas vindas do sítio de minha avó. Aliás, fruta era coisa de menino, especialmente as colhidas e comidas na própria árvore. Essas, sem dúvida, são mais saborosas. O caju, a manga, a goiaba, a banana, a tangerina e o sapoti eram plantados nas margens do riacho, terras naturalmente férteis e, quando muito, misturavam-se ao esterco curtido de gado, por isso floresciam saudáveis e apetitosos.

Hoje as terras em que as sementes dessas e de ouras frutas são plantadas recebem uma carga enorme de produtos químicos, os chamados agrotóxicos. O objetivo da utilização desses produtos é combater as pragas agrícolas, facilitando a produção de frutas maiores, mais bonitas e “menos defeituosas”. É exigência do mercado seduzir os consumidores com grandes exemplares de bela aparência.

Acontece que o agrotóxico também é um veneno e, portanto, pode causar diversos males à saúde do ser humano, dos animais e do próprio solo. O Ceará é o estado que mais consome agrotóxico no nordeste e, no Brasil, fica em quarto lugar. Sabe-se que, num distrito de Limoeiro do Norte (194 km de Fortaleza) chamado São Tomé, uma considerável parte da população vem sofrendo de intoxicação aguda decorrente da pulverização aérea de agrotóxicos, apresentando irritação nos olhos, tontura, depressão, fraqueza óssea, sangramento, falhas da memória e câncer. Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Ceará apontam, inclusive, que a água da região está contaminada.

O agronegócio não esperava que, em meio à zona rural do baixo Jaguaribe, existisse um cidadão, desses forjados nas lides sindicais, que acreditava em uma sociedade compartilhada e justa. Ele lutava junto aos trabalhadores por melhores condições de vida e, dessa forma, contra o uso indiscriminado dos agrotóxicos. Foi, com sua sensibilidade e sua atenção, um dos primeiros que percebeu a coceira no corpo das crianças e a tosse seca dos jovens desde o início da pulverização das plantas na área.

Não tardou e vieram os laudos médicos comprovando que seus companheiros estavam com câncer e outras doenças. Zé Maria não era de desanimar e, ao contrário, arrebanhou mais gente em protestos com reuniões, passeatas e abaixo assinados junto às autoridades. Com atitudes ousadas e solidárias, tornou-se uma pedra no meio do caminho do agronegócio. Zé Maria foi assassinado em 21 de abril de 2010 e, desde então, perdi todo aquele prazer infantil de saborear as frutas.

VIDA DE GADO

Ah, Caro leitor! Se você é daqueles que nunca precisou ir a um terminal de ônibus, sem dúvida, é um sujeito de sorte. Pois na hora do rush, quando o trabalhador vai pegar o ônibus, é um “deus nos acuda” que você nem imagina. Primeiro, entra-se numa fila onde se é empurrado de um lado, puxado de outro e não se pode descuidar dos bolsos. As mulheres, então, passam por uma situação vexatória em que são apalpadas e agarradas pelos tarados de plantões. Se vacilar, a carteira é roubada em segundos.

O ambiente de qualquer terminal de ônibus é de uma aparente tranquilidade com a conivência dos que fazem vista grossa. Lá, por exemplo, vende-se de tudo. Há tapioca sem sabor, café frio, bolo gorduroso, suco aguado e churrasco de carne duvidosa. Há também cachaça, farofa e cassetete nos peitos de gente simples. Sabe-se ainda que o que rola por fora são outras drogas. Bom, o preço é baratinho, feito laço armado para segurar uma rês desgarrada.

Quem adentra um terminal com aquelas cercas de arame moderno, vê a multidão descontrolada num corre-corre de quem não pode se atrasar para o trabalho, escuta o barulho ensurdecedor do motor dos veículos, repara nos rostos suados daqueles que fazem uma jornada de doze horas de trabalho, percebe o choro involuntário de uma criança e tem a nítida impressão de que se encontra mesmo em um curral humano onde as pessoas são tangidas não por acaso.

Nesses dias de chuva, ao olhar para a cobertura dos terminais, vê-se um teto que mais parece uma peneira. O cidadão se arruma para ir ao trabalho, entra no terminal enxuto e sai molhado – isso se escapar de um pedaço de alumínio ou zinco que porventura despenque do alto e caia em sua cabaça.

Essa batalha diária não tem finalmente. Chega o momento em que o cidadão consegue botar o pé dentro do ônibus para tomar outro susto: uma placa, ao lado do cobrador, avisa que o limite de passageiros é de vinte e cincos sentados e trinta e oito em pé. Alguns assentos foram retirados e os que ficaram não possuem o menor conforto. Se não sofrer assalto e chegar com vida ao seu destino, o trabalhador suspira e diz: Ê vida de gado!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

VÉSPERA

Faltavam poucos dias para o meu aniversário de doze anos. Não era comum lá em casa se comemorar aniversário e muito menos ganhar presente, mormente a partir dessa idade. Mas como o ano havia sido de boa safra e nós progredíamos nos estudos, mamãe escreveu a papai, que estava no interior, pedindo-lhe dinheiro para comprar uma roupa para mim e meus irmãos, haja vista que o natal estava próximo.

Há quase um ano papai não nos visitava. Eu era um menino crescido que não possuía uma calça comprida sequer. É claro que eu estava de olho na vitrine das lojas masculinas de Fortaleza. As calças Topekas e as Calhambeques, que estavam na moda por força do movimento musical da Jovem Guarda, eram as preferidas. Havia uma camisa de balom verde lodo que parecia ter sido feita para mim. O calçado poderia ser um tênis qualquer, desde que fosse branco. Sabia que tudo isso era caro para as nossas condições, mas sonhar ainda não era proibido. Ah, e como eu sonhava vestido com aquela roupa! Quem sabe, a menina mais bonita do bairro olhasse para mim. Bem, seria minha única roupa legal e eu mal conseguia pensar no outro fim de semana, caso arrebatasse o coração da belezura.

Acontece que papai chegou no dia que antecedeu meu aniversário. Ele carregava um pacote e dizia ser meu presente. Logo ele que não era dado sequer a lembrar as datas do nascimento dos filhos. Para minha surpresa e de mamãe, que sabia disfarçar com uma certa naturalidade, fomos abrir o embrulho de papel e descobrimos uma roupa completa, inclusive com sapatos. Papai havia encomendado aquela roupa à costureira dona Neném, sem tirar minhas medidas. A camisa era de tecido poliéster azul, de mangas longas e bastante frouxas. A calça era de tergal azul acinzentado, frouxa na cintura e apertada nas canelas. Mal dava para passar o sapato preto de bico fino. Ele me fez vestir toda a roupa e disse que a camisa era para ser usada de pano passado. Comentou para mamãe, muito orgulhoso, que eu parecia um homenzinho, e saiu do quarto meio que de repente.

Eu fiquei ali sozinho, parado, e possivelmente pela primeira vez tive uma profunda pena de mim. Pena por constatar que não tínhamos dinheiro para comprar uma roupa de loja. Pena por saber que papai dava o presente com grande satisfação e eu não podia corresponder, nem mesmo cheguei a agradecê-lo. Pena por ter a consciência do quanto eu estava distante dele, e que aquela distância não tinha volta. Pena por estar diante do espelho com uma roupa que mais parecia a de um palhaço. Pena por ter sido ridículo em sonhar com a menina mais bonita do bairro e por não ter tido a coragem de dizer a ninguém que amanhã seria meu aniversário. Então, ali, sozinho no quarto escuro, eu chorei.

quarta-feira, 16 de março de 2011

POETA DO FUTEBOL

Admiro os fanáticos, não de qualquer tipo. Refiro-me aos que elegem seu objeto de estudo e passam a carregá-lo por quase toda a vida. Alguns cientistas, revolucionários, colecionadores, monges, pesquisadores são incansáveis e obcecados pela aprendizagem. Eles merecem muito respeito, pois deles emana o fascínio da solidão profícua e a práxis do pensamento multifacetado da dialética em luta contra a acomodação do establishment.

Sinto-me, pois, honrado de ter amigos fanáticos, não os eleitos por suposta divindade, mas, sim, os determinados. Desses, um domina o marxismo como poucos. Há também um economiário que, além de aguerrido militante petista, é sociólogo dos mais lúcidos. Tenho ainda outro amigo, apresentador de programa esportivo na TV, que é um profundo conhecedor da história do rádio cearense. São pessoas sérias e estudiosas, que têm bastante a nos ensinar. Mas hoje quero falar de um cidadão que completou oitenta e quatro anos em janeiro último e, desde a mais tenra idade, é um louco por futebol. Sua especialidade: a seleção brasileira.

Você, caro leitor, deve porventura pensar que o personagem dessa crônica, devido à idade avançada, é um sujeito hipocondríaco, mal humorado e complicado para sair de casa. Se pensou assim, enganou-se redondamente. Ele goza de boa saúde, faz chacota consigo mesmo, conta causos jocosos e está sempre disposto a cair na gandaia. Adora um forró, toma seus uisquezinhos de leve, é amarrado numa morena sestrosa e, vez por outra, arrisca-se a pegar o sol com a mão, como diz o poeta. Embora no outro dia, de ressaca, o viúvo peça perdão à falecida e jure não repetir o tal pecado.

Ele escreve livros, todos sobre a seleção brasileira de futebol, sua paixão irrefreável. O último, então, “O Brasil em todas as copas – 1930 a 2010” (2010), teve grande acolhida no meio desportista, sendo referência nacional de comentaristas de rádio, televisão e demais estudiosos do assunto da nossa canarinha. É evidente que ele aprecia o bom futebol, não importa de qual país, no entanto, em defesa do futebol brasileiro e seus craques, demonstra um rol de afiados e radicais argumentos.

Em razão do exercício da escrita, ele cultivou uma plêiade de amigos de fazer inveja a qualquer amante do futebol. Desde os anos cinquenta, é amigo do famoso lateral esquerdo do time da estrela solitária e da seleção brasileira, Nilton Santos, a enciclopédia do futebol. Imagine que o polêmico e inteligente João Saldanha, ex técnico da seleção Brasiléia, tinha o costume de lhe telefonar quando ainda era comentarista da rádio Globo. Para se ter uma idéia de seus bons relacionamentos, Zizinho, Didi e Zagalo, quando vinham a Fortaleza, mal desembarcavam no aeroporto e já perguntavam por ele.

Agora, veja o que aconteceu com esse meu amigo fanático por futebol: outro dia falávamos ao telefone, invariavelmente sobre a seleção brasileira e seu pífio resultado diante da seleção francesa, quando, de repente, ele pediu licença e mudou de assunto para narrar, segundo sua opinião, uma das cenas mais bonita do mundo – depois, é claro, das bicicletas de Mozart Gomes. A cena era a seguinte: um passarinho havia pousado na árvore do seu quintal e estava cantando. Era uma linda espécie de cores verde-cinza, amarela e marrom, possivelmente um sabiá. Quem sabe, não seria aquele o sabiá do Garrincha? Por sinal, seu amigo também.

A essa altura, tenho certeza de que o leitor sabe de quem estou falando. Trata-se de Aírton Fontenelle “do Brasil”, o poeta maior do futebol.

(Texto publicado no Jornal Diário do Nordeste, em 13/03/11)

O GATO ATRAVESSADOR

O gato do mato está em processo de extinção. É pouco provável encontrá-lo nas diminutas florestas do nordeste do pais. A maldade humana é tamanha que, além de praticamente dizimar o felino selvagem, ainda mal trata e abandona o gato doméstico, fazendo com que ele emigre para o mato.

No lugar do gato maracajá, surge outro tipo de gato bem mais astuto, violento e por vezes sinistro. É ele quem arrebanha jovens trabalhadores das regiões nordestinas para trabalhar no corte da cana-de-açúcar nas grandes fazendas do sudeste, muitas em São Paulo. Conhecido também como atravessador, ele costuma agir com apoio das grandes empresas rurais.

Esses jovens trabalhadores viajam já devendo o dinheiro da passagem, da bóia e da pensão, quase sempre de péssima qualidade. Nada do que foi combinado aqui será cumprido lá. Carteira do trabalho assinada, décimo terceiro, férias, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) e salário acima do mínimo – tudo isso não passa de promessa. Pena que eles somente descobrirão essa farsa em pleno exercício laboral de mais de doze horas por dia.

A maioria desses trabalhadores não tem nenhuma qualificação profissional. São seduzidos pela promessa de trabalho digno e acabam tornando-se presas fáceis dos exploradores de mão-de-obra. Em vários casos, é necessário que haja denúncia para que os Auditores Fiscais do Trabalho, juntamente com membros do Ministério Público do Trabalho e apoio da Polícia Federal, possam desbaratar essa triste situação análoga ao trabalho escravo.

No início do século XXI, em pleno esplendor do desenvolvimento tecnológico, ainda se morre de fome nos mais diversos rincões do planeta. Ao mesmo tempo em que todos louvam a liberdade como a melhor forma de convivência e crescimento humanos, veicula-se nos meios de comunicação reportagens sobre o trabalho escravo, situação que envergonha todas as nações.

É interessante observar que o Conselho Nacional de Justiça está à procura de empresas que se disponham a qualificar e a contratar pessoas libertadas do trabalho escravo. Sem querer escamotear a luta de classe como motor da história, acredito ser essa idéia uma das mais criativas dos últimos tempos. Também é de bom alvitre taxar as grandes fortunas com o objetivo de amenizar as desigualdades sociais. Quem sabe, a troca de um gato por uma idéia social lúcida seja uma das soluções, ainda que reformista?

DE VOLTA AO MESTRE SÓCRATES

Tomava o meu café, antes de sair para trabalhar, e assistia ao jornal televisivo do dia quatro de março. Era veiculada uma matéria que explicava por que as mulheres prestam mais atenção do que os homens nas liquidações. E mais: garantia um estudioso do assunto ser a mulher vocacionada para realizar o pagamento a prazo, enquanto o homem era mais objetivo e preferia pagar à vista.

Estranho esse tipo de matéria no meio de um telejornal. A idéia é claramente induzir o telespectador ao consumo. Ora, após as despesas de final de ano, o momento é mais propício para o cidadão fazer um balanço em suas contas! Na verdade, esse apelo mercantilista não chega a ser nenhuma novidade, uma vez que, nas novelas e nos jornais, dá-se sempre um jeito de empurrar o incauto telespectador às compras.

Por falar em novela, é comum a mocinha, sem ver e nem pra quê, entrar em lojas de grife, puxar o cartão de crédito e efetuar muitas compras, deixando o público feminino com água na boca e, naturalmente, disseminando a discórdia no lar. Ah, mas o galã não fica por baixo! Também sem a menor convicção no roteiro da historia, ele toma um uísque, atende ao celular, entra em seu carrão importado ou pega um avião para Nova Iorque, antes, porém, a telinha evidencia as respectivas marcas.

O telespectador, no mínimo, deve se perguntar de onde surge tanto dinheiro nos bolsos de tais personagens. Esse fato me faz lembrar os antigos filmes de caubói, em que o protagonista, para se livrar das armadilhas dos bandidos, disparava infinitamente seu revólver cheio de bala, sem que soubéssemos de onde vinha tanta munição.

Antes de o jornal terminar, foi noticiado mais um crime bárbaro em família diante de uma criança. Um analista de plantão – se não estou enganado, um sociólogo – comentou que esses crimes ocorriam porque as pessoas estavam cada vez mais egoístas e consumistas. Talvez fosse o momento de refletir sobre as palavras do filósofo Sócrates, ao ser perguntado por um discípulo que o viu no centro comercial de Atenas: “Mestre, o que fazes aqui?” Ele, então, respondeu: “Observando a enorme quantidade de objetos dos quais não preciso para ser feliz.”

CARNAVAL – O QUE VALE É A IMAGEM

O carnaval é uma festa esplêndida, em constante transformação. Em sua essência, parece haver uma comunhão de alegria. Do inconsciente, jorra um mundo mágico de máscaras com personagens que gostaríamos de ser. O Brasil, então, torna-se o país dos sonhos. Dizem que seu carnaval é o maior porque exalta a paz.

Mas não custa nada fazer algumas observações. A invasão de atrizes e manequins como madrinhas de bateria das escolas de samba, por exemplo, soa um tanto sofisticada, artificial e fora de compasso. Nada contra a Luiza Brunet, a Gisele Bünchem ou a Cláudia Raia, pelo contrário, elas são lindas, sorriem até demais e exercitam razoavelmente o samba no pé. Entretanto, com todo o respeito à mistura de raças, quem é bamba sabe que ali está faltando ginga, ritmo e o verdadeiro requebrado de uma rainha do samba.

Não adianta a TV, através de seus locutores esportivos, querer meter na cabeça dos telespectadores que elas – as modelos e atrizes – estão arrasando na avenida e que o povão nas arquibancadas está indo ao delírio, quando as imagens são veiculadas e em nada correspondem ao que eles afirmam! Ou seja, o repórter fala que a modelo está com o samba no pé e a imagem mostra que ela é simplesmente esforçada e espalhafatosa.

Agora, ouvir uma dessas beldades, ao ser entrevistada após o desfile, dizer que “ama de paixão a escola de samba tal”, quando se sabe que ela desfilaria por várias outras, é dose! È como o jogador de futebol que faz um gol e corre para a torcida beijando a emblema do clube, embora todos presentes no estádio saibam que ele fez a mesma atitude quando jogava pelo time rival. O carnaval, assim como o futebol, converteu-se mesmo em espetáculo, ainda que venha com o invólucro da paixão.

Muitos pagam caro para sair no desfile de uma escola de samba. Como o carnaval é a apoteose da vaidade e uma grande festa para turista ver, aproveito para contar a historinha de um amigo que gastou uma grana para sair na Sapucaí. Ele viajou e pediu a todos os conhecidos que ficassem de olho na telinha. Gente, fizeram maldade com nosso folião! Deram-lhe uma fantasia que o tornou irreconhecível. Mas, folião que é folião não desiste nunca. Hoje ele sai no bloco dos sujos, aqui em Fortaleza, e é eterno candidato a vereador.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

EM SOLO LUNAR

Ultimamente minha imaginação deu para transitar com frequencia por mundos extraordinários e surreais. Às vezes, tenho até medo de estar ficando com o juízo fraco, como dizia meu pai quando me pegava lendo algum livro. No entanto, diante da realidade em que vivemos, é você, caro leitor, quem vai me dar o meu diagnóstico: se vivo no mundo da lua ou se estou com o pensamento obcecado por buracos.

Pois você acredita que me ocorreu de pensar que os trabalhadores da Cagece, ao escavarem esse novo buraco na Avenida Dom Manuel, aqui em Fortaleza, encontraram aquele túnel que levou os assaltantes até o cofre do Banco Central? Até aí, tudo é possível, nada demais. Acontece que, em minha ficção paranóica, os homens da Cagece se depararam com a turma do Alemão que, supostamente escondida, ainda contava pacientemente o restante do dinheiro fruto do famoso assalto.

Veja até que ponto vai este meu desvario. Noticiou-se que o governador Cid Gomes havia viajado à Europa para, dentre outros objetivos, verificar o funcionamento dos metrôs mais modernos de algumas capitais. Fui dormir encucado com essa questão. Não tardou muito e, durante a madrugada, sonhei que o governador não havia ido à Europa coisíssima nenhuma. Conforme meu pesadelo, ele havia entrado em um buraco do metrô, aqui no bairro Benfica, e ido à Maracanaú – tudo isso por debaixo da terra, afinal, metrô que se preze é assim. Ao voltar, Cid Gomes não achou a saída. Continuou perambulando pelos túneis do metrô e, enfim, chegou à estação Engenheiro João Tomé, no centro de Fortaleza. De lá, resolveu dar uma esticadinha até a praia de Iracema. Quando estava prestes a furar o Aquário, eu me acordei.

Também foi comentário geral o fato de que a prefeita Luiziane Lins estava um pouco afastada de seus secretários, vereadores e – pasmem! – da população. No estado mental alfa em que me encontrava, ela estava tapando o buraco da Avenida Leste Oeste, quando, por um breve descuido, caiu nele, sofrendo várias escoriações no rosto. Depois de alçada, levaram-na ao Instituto Doutor José Frota, Hospital de Traumas, conhecido como Frotão. Foi um fuzuê danado, pois, devido aos ferimentos, nem os médicos nem as enfermeiras a reconheceram. Luiziane repetia “Gente, eu sou a prefeita!”, ao que o pessoal respondia com mangofa ou cara feia. Neste momento, não me aguentei. Resolvi intervir no sonho para tomar suas dores, dizendo: “Vocês estão loucos?” (Imagine, logo eu falando assim!) “Prestem atenção, pois esta é, sem dúvida, a nossa prefeita. Olhem bem para ela!” O médico, então, fez menção de estar reconhecendo-a e logo quis atendê-la. Ela, porém, recusou-se e foi para o último lugar da fila. Alguém, então, gritou: “Essa é mesmo a nossa prefeita!”

Há ainda a história de que a cidade de São Paulo oculta uma outra cidade, completamente subterrânea, com enormes galerias de esgotos e muitas ratazanas. Boatos dessa natureza sempre me deixaram arrepiado. Depois tomei conhecimento dos bunkers de Saddam Hussein, no Iraque; das montanhas ocas habitadas pelo terrorista Bin Laden e seu séquito, na Arábia Saudita; das usinas nucleares instaladas debaixo das montanhas de Mahmoud Ahmadinejad, no Irã. Histórias assim só me põem cada vez mais de orelha em pé.

Esse meu frenesi nervoso e angustiante, relacionado a cavernas, cidades subterrâneas e passagens secretas, parece ter vindo de longe. Meu pai é que provavelmente tinha razão, ao se preocupar com minha mania de ler Júlio Verne, especialmente o livro “Viagem ao centro da terra”.

Meu caro leitor, dou-me conta de que minha psicose depressiva não tem nada a ver com os buracos de Fortaleza: eu, sim, é que estou de miolo mole!

NA TERRA DE MOREIRA CAMPOS

Em janeiro último, estive de férias em meu torrão natal, Senador Pompeu (295 km de Fortaleza). Fiquei surpreso com o número de jornais que parecem chegar à cidade: uns cinquenta, dentre assinaturas e os que ficam disponíveis nas bancas. Nos fins de semana, não encontrei onde comprar um jornal sequer.

Esse fato per si merece uma reflexão, haja vista que o universo populacional da cidade é de 15.000 eleitores, mais ou menos. Pelas informações que obtive, os periódicos que chegam por lá são lidos por funcionários públicos e bancários. E os universitários? E os estudantes do ensino médio? Pelo menos comprando os tais periódicos, ninguém os vê.

Certo dia, encontrava-me em um conhecido bar da cidade, o bar do Zé Edilson, a conversar com amigos e decidi deixar um jornal “abandonado” sobre outra mesa para ver o que acontecia. No entra e sai de tanta gente, ao cabo de uma hora, apenas uma pessoa pegou o jornal para olhar o caderno de esportes.

Por que na terra do escritor José Maria Moreira Campos, exímio contista, lê-se tão pouco? Sabe-se que não é somente Senador Pompeu que vive essa situação, pois boa parte das cidades brasileiras apresenta o mesmo problema. A questão é tão delicada que pode estancar todo esse clima de desenvolvimento no qual o país vive, justamente pela falta de uma educação de mais qualidade.

Um país que se quer grande e livre precisa investir na leitura. Ler um jornal de forma crítica, quando se é jovem, é como descobrir a fonte que serpenteia o caminho do conhecimento. O jornal também não pode ficar apenas numa atitude passiva, esperando que o eleitor vá até a banca para comprá-lo. Talvez falte ao jornal um maior envolvimento com a comunidade. Quem sabe, não será esse o seu futuro?

Milagre não acontece de uma hora para outra. Criar o hábito de ler em um país que viveu um tempo recente sob ditadura, demanda tempo. Enquanto não for feita uma reforma de distribuição de renda para que as pessoas possam exercitar efetivamente a democracia – e tanto uma família de trabalhadores como um professor possam pagar a assinatura de um jornal -, os jovens continuarão preferindo assistir ao raso programa big brother a ler um jornal.

sábado, 29 de janeiro de 2011

PROFESSOR - TRISTE REALIDADE

Ter sido filho de professora foi o diferencial em minha vida e, acredito, também o foi na de meus irmãos. Herdamos os seus valores éticos, morais, religiosos e, fundamentalmente, o prazer em aprender. Para mim, ser filho da professora Cristina Pessoa, em Senador Pompeu (275 km de Fortaleza), era viver sob uma expectativa de cobrança intelectual por boa parte da sociedade.

Naturalmente tornei-me professor, mas, a realidade foi outra. Embora portando diploma de nível superior e algumas especializações, o salário era irrisório. Desiludido, passei a estudar para enfrentar a maratona de concursos públicos – trajetória de grande parte dos jovens professores de minha geração.

A vida de professor se constitui de grandes dificuldades. Ele tem que dar aula em muitas escolas, o que acaba prejudicando a qualidade do ensino. Não obstante a Lei nº11. 738/2008, que garante o piso nacional da categoria um pouco acima do salário mínimo, o que se vê é o flagrante desrespeito aos docentes por parte de estados e prefeituras. Além do mais, existe o eterno atraso com o pagamento dos salários, do décimo terceiro e das férias.

Um país que quer ser desenvolvido jamais deve se esquecer de investir na educação de seu povo, pois esse é um fato registrado pela história das nações que prosperaram. Independentemente das matrizes ideológicas de qualquer governo, o investimento na educação brasileira ainda é insignificante. É como se fosse apenas uma satisfação política.

O resultado dessa situação são escolas que não dispõem de recursos tecnológicos básicos e apresentam uma quantidade razoável de evasão de alunos. Convém lembrar que muitas escolas das periferias de grandes cidades têm problemas sérios para contratar e manter seu quadro de docentes por conta das constantes ameaças sofridas pelos professores por parte dos próprios alunos.

É triste constatar que poucos são os pais de família que desejam para seus filhos a profissão de professor. Além dos parcos salários, a estrutura educacional não é nada atrativa. Foi-se o tempo de dona Cristina, em que o professor era chamado de mestre, mesmo sem ter mestrado. Hoje, muitos têm mestrado e doutorado, mas não são sequer chamados de professor.