quarta-feira, 16 de março de 2011

O GATO ATRAVESSADOR

O gato do mato está em processo de extinção. É pouco provável encontrá-lo nas diminutas florestas do nordeste do pais. A maldade humana é tamanha que, além de praticamente dizimar o felino selvagem, ainda mal trata e abandona o gato doméstico, fazendo com que ele emigre para o mato.

No lugar do gato maracajá, surge outro tipo de gato bem mais astuto, violento e por vezes sinistro. É ele quem arrebanha jovens trabalhadores das regiões nordestinas para trabalhar no corte da cana-de-açúcar nas grandes fazendas do sudeste, muitas em São Paulo. Conhecido também como atravessador, ele costuma agir com apoio das grandes empresas rurais.

Esses jovens trabalhadores viajam já devendo o dinheiro da passagem, da bóia e da pensão, quase sempre de péssima qualidade. Nada do que foi combinado aqui será cumprido lá. Carteira do trabalho assinada, décimo terceiro, férias, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) e salário acima do mínimo – tudo isso não passa de promessa. Pena que eles somente descobrirão essa farsa em pleno exercício laboral de mais de doze horas por dia.

A maioria desses trabalhadores não tem nenhuma qualificação profissional. São seduzidos pela promessa de trabalho digno e acabam tornando-se presas fáceis dos exploradores de mão-de-obra. Em vários casos, é necessário que haja denúncia para que os Auditores Fiscais do Trabalho, juntamente com membros do Ministério Público do Trabalho e apoio da Polícia Federal, possam desbaratar essa triste situação análoga ao trabalho escravo.

No início do século XXI, em pleno esplendor do desenvolvimento tecnológico, ainda se morre de fome nos mais diversos rincões do planeta. Ao mesmo tempo em que todos louvam a liberdade como a melhor forma de convivência e crescimento humanos, veicula-se nos meios de comunicação reportagens sobre o trabalho escravo, situação que envergonha todas as nações.

É interessante observar que o Conselho Nacional de Justiça está à procura de empresas que se disponham a qualificar e a contratar pessoas libertadas do trabalho escravo. Sem querer escamotear a luta de classe como motor da história, acredito ser essa idéia uma das mais criativas dos últimos tempos. Também é de bom alvitre taxar as grandes fortunas com o objetivo de amenizar as desigualdades sociais. Quem sabe, a troca de um gato por uma idéia social lúcida seja uma das soluções, ainda que reformista?

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