sexta-feira, 25 de junho de 2010

FOGO NA ROUPA

A velhice pode ter saúde e alegrias picantes. Algumas vezes, ela é fogo na roupa, diziam os antigos. Veja bem, estava a engraxar os sapatos com o Pirrita na Praça do Ferreira e ouvi uma verdadeira algazarra no banco ao lado. Tratava-se de uma reunião informal de homens velhos em que as tiradinhas jocosas de uns com os outros eram o mote do encontro.


Não demorei a entender que o motivo de toda aquela brincadeira era um dos velhos. Ele devia ter entre setenta e cinco a oitenta anos e estava de encontro marcado. Sim, senhor! Ele iria encontrar-se com sua amante e, ali mesmo na frente de todos os outros, daria uma voltinha com o broto. Ele não estava nem um pouco preocupado com as indiretas dos amigos, ao contrário, parecia eufórico.


Eu suspeitava que aquele velho fosse comerciante ou advogado do centro da cidade, a qual sempre via como a “Iracema dos lábios de mel”, nas palavras de José de Alencar. Talvez fosse casado ou viúvo, isso pouco importa. O que vale é que aquele era o seu dia e sua energia estava irradiante. Até sua voz em tom grave lembrava os locutores de rádio de outrora, como se quisesse dizer que a coisa não falharia, entende?


Engraçado é que aquelas pilhérias e todo o lero-lero não tinham nada de depreciativo e, se não exagero, aquela forma de brincar beirava a sabedoria. Faziam piadas deles próprios em que a sutilidade e a inteligência eram os ingredientes. A conversa não era segredo, tampouco alarde, era um bate-papo agradável e somente o entenderiam aqueles que fossem do ramo. Discrição e bom humor – eis a fórmula da justa medida dos relacionamentos daqueles homens.


Os velhos da Praça do Ferreira, em sua maioria, são aposentados que moram com suas famílias e pertencem à classe média. São bem alimentados e devem tomar vinho ou uísque no final da tarde. Não gostei quando a amante do velho chegou, piscou o olho e seguiu em frente. Poderia muito bem ter esperado para saírem de mãos dadas.

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