sábado, 12 de julho de 2008

SENZALAS MODERNAS


Aqui se cheirava a leite e a mel. Ainda havia um rio que passava por detrás da serra. Nos anos de seca, antes da praga do bicudo (afinal, nem tudo é perfeito), com as economias do algodão mocó, umas verduras de vazante, uns preás salgados, um cigarro de fumo brabo e uma rede armada, dava-se para atravessar o tempo, que ninguém era de ferro. Não havia a necessidade imperiosa de enricar. O grande negócio era ser feliz e isso não significava ingenuidade.

Não existia vacaria maior e nem mais bonita em toda a região. As moças belas e faceiras, dos beijos de rapadura, eram a graça daquele tempo. Todos vinham a cavalo para rezar na igreja da matriz ou para acompanhar os festejos do padroeiro. Normalmente essa devoção era em agradecimento ao santo pela abundância da produção de milho, feijão e arroz que enchia a barriga do povo trabalhador. Aquilo que sobrava servia para abastecer o mercado daqui e alhures. À noite, os marmanjos iam para o forró se atracar com as moças. Eita negócio bom!

Mas, de lá pra cá, muita coisa mudou. O dono da cidade - pelo menos ele pensa que é - trouxe uma tal de cooperativa com a promessa de que tudo ia melhorar. No início, foi emprego para quase todos os jovens do município. Os cooperados (não se pode dizer que são empregados) compraram à prestação, sem prazo pra acabar, tudo o que foi de bicicleta e motocicleta.

Com o tempo, porém, eles descobriram que esses veículos só serviam para levá-los ao trabalho, cuja jornada variava entre quatorze, dezesseis e dezoito horas diárias. As gestantes não têm praticamente descanso. Ninguém recebe pelo trabalho nos domingos, feriados e nas horas extras. Aqueles sapatos que eles produziam sequer podiam ser comprados por eles próprios. A cooperativa apenas burlou a legislação trabalhista. A agricultura de subsistência minguou. O tempo para as festas findou-se. Agora paira no ar um cheiro de senzala. E olha que a cidade já se orgulhou muito do tempo em que libertou seus escravos.

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