sexta-feira, 8 de abril de 2011

VÉSPERA

Faltavam poucos dias para o meu aniversário de doze anos. Não era comum lá em casa se comemorar aniversário e muito menos ganhar presente, mormente a partir dessa idade. Mas como o ano havia sido de boa safra e nós progredíamos nos estudos, mamãe escreveu a papai, que estava no interior, pedindo-lhe dinheiro para comprar uma roupa para mim e meus irmãos, haja vista que o natal estava próximo.

Há quase um ano papai não nos visitava. Eu era um menino crescido que não possuía uma calça comprida sequer. É claro que eu estava de olho na vitrine das lojas masculinas de Fortaleza. As calças Topekas e as Calhambeques, que estavam na moda por força do movimento musical da Jovem Guarda, eram as preferidas. Havia uma camisa de balom verde lodo que parecia ter sido feita para mim. O calçado poderia ser um tênis qualquer, desde que fosse branco. Sabia que tudo isso era caro para as nossas condições, mas sonhar ainda não era proibido. Ah, e como eu sonhava vestido com aquela roupa! Quem sabe, a menina mais bonita do bairro olhasse para mim. Bem, seria minha única roupa legal e eu mal conseguia pensar no outro fim de semana, caso arrebatasse o coração da belezura.

Acontece que papai chegou no dia que antecedeu meu aniversário. Ele carregava um pacote e dizia ser meu presente. Logo ele que não era dado sequer a lembrar as datas do nascimento dos filhos. Para minha surpresa e de mamãe, que sabia disfarçar com uma certa naturalidade, fomos abrir o embrulho de papel e descobrimos uma roupa completa, inclusive com sapatos. Papai havia encomendado aquela roupa à costureira dona Neném, sem tirar minhas medidas. A camisa era de tecido poliéster azul, de mangas longas e bastante frouxas. A calça era de tergal azul acinzentado, frouxa na cintura e apertada nas canelas. Mal dava para passar o sapato preto de bico fino. Ele me fez vestir toda a roupa e disse que a camisa era para ser usada de pano passado. Comentou para mamãe, muito orgulhoso, que eu parecia um homenzinho, e saiu do quarto meio que de repente.

Eu fiquei ali sozinho, parado, e possivelmente pela primeira vez tive uma profunda pena de mim. Pena por constatar que não tínhamos dinheiro para comprar uma roupa de loja. Pena por saber que papai dava o presente com grande satisfação e eu não podia corresponder, nem mesmo cheguei a agradecê-lo. Pena por ter a consciência do quanto eu estava distante dele, e que aquela distância não tinha volta. Pena por estar diante do espelho com uma roupa que mais parecia a de um palhaço. Pena por ter sido ridículo em sonhar com a menina mais bonita do bairro e por não ter tido a coragem de dizer a ninguém que amanhã seria meu aniversário. Então, ali, sozinho no quarto escuro, eu chorei.

2 comentários:

EDUARDO BANANEIRA disse...

CAMARADA JUNIOR, LI E GOSTEI DESTE CONTO. FIQUEI CHOCADO COM A SUA AGONIA. MAS SE LHE SERVE DE CONSOLO, EU JÁ PASSEI POR ISSO. SEU ZÉ JÁ ME PERGUNTOU VÁRIAS VEZES POR VOCÉ,DE MUITA CONVERSA CHEGAMOS A UMA CONCLUSÃO: VOCÊ ESTÁ PRESO E SEGUNDO ELE POR ROUBO DE GADO. QUANDO IRÁS APARECER AQUI? AINDA MORO NA MESMA CASA. ACESSE O BLOG DO MEU FILHO CARLOS: www.carlosdemilao.blogspot.com

Saraiva Junior disse...

Camarada Eduardo Bananeira, a luta continua, meu irmão.
Que saudades sinto de nossas conversas na calçada! Eu sério, como sempre, e você prestando atenção na passagem das meninas.
Diga para o seu Zé que nesses dias estou passando por aí para batermos um papo e, principalmente, pegar aquele carneiro escalado que ele me prometeu, segundo você me disse.
Um abraço,
Saraiva Júnior