Da janela de um carro atolado, diante de um terreno com aproximadamente quinhentos metros quadrados, conheci um dos lixões da periferia de Maracanaú (19 km de Fortaleza). Havia chovido e a lama procurava tornar aquele lugar seu habitat de pântano. Homens, mulheres e crianças, em cujos rostos traziam a marca indelével da sujeira e da miséria, locomoviam-se na areia movediça da luta pela vida.
Talvez houvesse entre sessenta a setenta esquálidos seres humanos, mas tenho certeza de que, para cada pessoa, deveria haver cinco urubus e outro tanto de ratos que disputavam ferozmente o resto de alimentos apodrecidos. Havia um latão de lixo contendo refeições inaproveitáveis de algum restaurante da redondeza. Pude ver a alegria das crianças - ketchup e maioneses em meio às abundantes moscas e baratas.
Aqueles trabalhadores são conhecidos como catadores de lixo. Poucos tinham botas ou luvas. Suas pernas penetravam na lama até o meio da canela. O lixo reciclável - plástico, papelão etc. - é vendido no quilo para um atravessador (cujo nome eles se negam a dizer) que, por sua vez, revende para uma cooperativa ali instalada e protegida por seguranças.
Os lixões podem ser denominados de os garimpos dos tempos modernos, dado à proliferação nos arredores das cidades. Com uma significativa diferença: eles, os trabalhadores, não têm esperança de encontrar nenhuma pepita de ouro que os tornem ricos. Simplesmente almejam à sobrevivência, não querem morrer de fome e afirmam, agora sem medo ou vergonha, que estão ali porque não encontraram outro tipo de emprego.
Havia um catador que, após colocar lixo no saco, levantava as mãos e os olhos para o céu, proferindo palavras inaudíveis. Achei-o parecido com um conhecido santo de Assis, embora todos fossem o retrato da piedade e portassem um sorriso cariado e uma faca na cintura. Diante desse triste quadro, ainda vêm me falar de neoliberalismo, livre mercado e cooperativismo? Francamente...
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