Faltavam poucos dias para o meu aniversário de doze anos. Não era comum lá em casa se comemorar aniversário e muito menos ganhar presente, mormente a partir dessa idade. Mas como o ano havia sido de boa safra e nós progredíamos nos estudos, mamãe escreveu a papai, que estava no interior, pedindo-lhe dinheiro para comprar uma roupa para mim e meus irmãos, haja vista que o natal estava próximo.
Há quase um ano papai não nos visitava. Eu era um menino crescido que não possuía uma calça comprida sequer. É claro que eu estava de olho na vitrine das lojas masculinas de Fortaleza. As calças Topekas e as Calhambeques, que estavam na moda por força do movimento musical da Jovem Guarda, eram as preferidas. Havia uma camisa de balom verde lodo que parecia ter sido feita para mim. O calçado poderia ser um tênis qualquer, desde que fosse branco. Sabia que tudo isso era caro para as nossas condições, mas sonhar ainda não era proibido. Ah, e como eu sonhava vestido com aquela roupa! Quem sabe, a menina mais bonita do bairro olhasse para mim. Bem, seria minha única roupa legal e eu mal conseguia pensar no outro fim de semana, caso arrebatasse o coração da belezura.
Acontece que papai chegou no dia que antecedeu meu aniversário. Ele carregava um pacote e dizia ser meu presente. Logo ele que não era dado sequer a lembrar as datas do nascimento dos filhos. Para minha surpresa e de mamãe, que sabia disfarçar com uma certa naturalidade, fomos abrir o embrulho de papel e descobrimos uma roupa completa, inclusive com sapatos. Papai havia encomendado aquela roupa à costureira dona Neném, sem tirar minhas medidas. A camisa era de tecido poliéster azul, de mangas longas e bastante frouxas. A calça era de tergal azul acinzentado, frouxa na cintura e apertada nas canelas. Mal dava para passar o sapato preto de bico fino. Ele me fez vestir toda a roupa e disse que a camisa era para ser usada de pano passado. Comentou para mamãe, muito orgulhoso, que eu parecia um homenzinho, e saiu do quarto meio que de repente.