terça-feira, 29 de junho de 2010

CANOA QUEBRADA

Dizem que a lua nasce em Canoa Quebrada, distrito de Aracati (164 km de Fortaleza). Ela surge entre as dunas e o mar, roçando pelas casas do povoado em infinita mansidão de aconchego. É lá onde sua luminosidade é mais forte e deixa as pessoas acessas à receptividade, alegres de coração e banhadas de pureza. É pena que, às vezes, ela venha a nascer por trás de nuvens escuras.

Nas noites de lua cheia, Canoa Quebrada parece uma linda noiva de vestido da cor de areia, usando um longo véu que envolve de carinho seus moradores, todos enamorados. O lugarejo é formado por pessoas de todas as etnias do mundo. Até dá para entender porque cada um desses indivíduos se sente mais à vontade em Canoa Quebrada do que em seu próprio país.

O clima de liberdade que reina no lugar faz com que a verdadeira personalidade aflore naturalmente. É o holandês que se casa com uma negra nativa; o casal homossexual que desfila de mãos dadas; o engenheiro que largou o emprego na multinacional e toca violão pelos bares; a francesa que não se cansa de ver o pôr-do-sol em companhia do jovem surfista; o italiano que veio a passeio, acabou se apaixonando pela praia e montou uma pizzaria.

Entre pescadores e estrangeiros, não se vê ninguém triste. O sorriso e a atitude acolhedora são a porta e a janela do povoado. A norma espontânea é banhar-se no mar límpido, comer peixe nas barracas, voar de asa delta, em meio a um céu azul e o verde mar, e depois conhecer as dunas com a sensação de tocar a linha do horizonte. À noite todos se encontram na Broadway para festejar a paquera.

O aeroporto de Aracati, futuramente um dos maiores do estado, situado em um bairro periférico da cidade, é anunciado na mídia como sendo o aeroporto de Canoa Quebrada. Esse é o caso em que o distrito é mais conhecido do que a própria cidade da qual faz parte. Não fosse a pilantragem que fica por trás da fachada, tais como, a prostituição, o tráfico de drogas, alguns assaltos e uns poucos mafiosos, diria que Canoa Quebrada é o paraíso à disposição de todos, principalmente, dos ricos.

LEMBRANÇAS DE GETÚLIO VARGAS

O Presidente Getúlio Vargas, ditador com propensões fascistas, soube fazer uma inteligente leitura política dos fatos históricos e econômicos em que se desenrolaram a segunda guerra mundial e prontamente se posicionou ao lado dos democratas, que eram respaldados em fortes movimentos sociais. Getúlio, então, não colocou os fatores subjetivos na hora de pesar os prós e os contras pela sobrevivência política.


A onda da vez era a democracia. Ele sabia se desvencilhar dos velhos amigos de índole autoritária e, ao mesmo tempo, aliar-se aos que lutavam pela liberdade, até então, seus opositores. Em sua visão cristalina da política nacional, o Brasil estava vocacionado ao desenvolvimento econômico e social através de um sistema mais comprometido com a liberdade.


Nos tempos atuais, também não se pode negar a opção do Brasil pela democracia, mas uma democracia que exija verdadeiramente a participação popular e o desenvolvimento econômico voltado, sobretudo, para o social. Essas são as linhas mestras delineadas pelo povo brasileiro rumo ao futuro e muito bem seguidas pelo presente governo.


Dessa forma, já se permite viabilizar uma melhor distribuição de renda, tributar de forma eficaz as grandes fortunas, implementar a famigerada reforma agrária, assegurar o meio ambiente saudável – e sustentável – e esquecer finalmente essa idéia neoliberal de flexibilização das leis trabalhistas. Espera-se que sejam esses os trilhos do trem da História.


A nação brasileira não abre mão dessa viagem. Muitos embarcaram com o povo, outros preferem ficar com os amigos na estação e perdem o trem. Há até aqueles que desejam mudar o rumo da viagem. O papel do indivíduo político na História, por mais carismático que ele pense que seja, é diminuto. Ainda sobre Getúlio Vargas, talvez ele tenha escolhido o momento certo para descer na próxima estação. Descordo apenas da maneira dramática, embora, nos dias atuais, as renúncias estejam mais para comédias.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

FESTA DE SEU JOÃO

É festa de São João e a alegria parece não ser a mesma de outrora. Talvez a lenha da fogueira tenha esfriado de tanta chuva ou o milho assado já tenha chegado ao fim devido à plantação que embrejou. As quadrilhas até que estão animadas, quem sabe um pouco exageradas, sem a espontaneidade que era a marca registrada dessa brincadeira em dias de festa.


Esse argumento cheira a saudosismo no calor da fogueira, ao lembrar os primeiros amores e as brincadeiras do “anel” e dos “três, três passarás”. Não duvido. É que sou do tempo em que o pai dizia: “direis com quem andas, que te direis quem és” e a gente escutava. Outro princípio ultrapassado, mormente para os políticos que, dependendo das circunstâncias, falam em defesa de um colega que se envolveu com falcatruas.


Aliás, na política, a verdade é sempre relativizada. Prova é que o cidadão João Batista de Araújo, depois que ficou desempregado de uma indústria de confecções, no bairro de Fátima, em Fortaleza, virou catador de lixo e dorme dentro do seu carro de flandres com madeira, em frente à extinta empresa. Para Seu João não existe proteção do estado que esquente seu colchão nessas noites frias e chuvosas.


Pois bem, Seu João e centenas de moradores de rua que vivem de migalhas em meio a restos de lixo, trabalhando de maneira perigosa para sustentar mulher e filhos, ao que parece, não têm quem fale por eles. Um simples albergue em que pudessem tomar um prato de sopa e passar a noite teria mais serventia do que o castelo do deputado federal Edmar Moreira, construído com dinheiro de origem duvidosa.


A festa de São João, como existia antes, acabou. Ficaram as quadrilhas no movimento de “approprier” das verbas públicas e de seus cachês vergonhosos pagos aos cantores ditos sertanejos. Seu João que dorme ao relento e faz dos jornais seu lençol, ao ouvir os folguedos, confundiu com tiros de revólver de mais uma execução na vizinhança. Viva São João e, por milagre, viva Seu João!

PARANÓIA E MECHAS

Os anos de minha juventude foram pesados. Vivíamos sob o tacão de ferro da ditadura militar que se instalara no país. Pensar diferente era um gesto suspeito. Ler era uma atitude de coragem. Costumava-se fazer a leitura do Manifesto comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, e do ABC do comunismo, de Bukharin, de forma disfarçada. Além disso, não se via tais livros no comércio. Naqueles anos sessenta e setenta, as palavras “comunismo” e “socialismo” eram de causar espanto em grande parte da população brasileira desinformada.

Por outro lado, a sede de conhecimento dos jovens era insaciável. Preocupávamo-nos com as desigualdades sociais, os avanços da tecnologia e da medicina, o desemprego, a carestia, a inflação, a anistia aos presos políticos e, principalmente, com a falta de liberdade política. Esse era o clima no meio estudantil, com ênfase entre os universitários. As passeatas que cruzavam as ruas de Fortaleza, com participação de operários, estudantes e moradores de bairro em prol da democracia, eram comuns. Panfletar nas portas das fábricas, convocando os trabalhadores à greve, era um dever consciente dos que acreditavam na participação popular na luta pela democracia. Na ótica da repressão, foi justamente por esses motivos que fui preso. Ainda alegaram que o meu caminho haveria de me fazer um perigoso terrorista. O detalhe era que nosso grupo procurava realizar um trabalho de conscientização política junto ao povo no lugar da fracassada tática da luta armada.

Ao sair da prisão, era de se esperar que minhas desconfianças aflorassem rumo à paranóia. Aliás, minha geração foi descendo de roldão a escada da insegurança psicológica e emocional. A cisma passou a preencher o lugar do raciocínio lógico e começamos a ser os nossos próprios espantalhos. Por esse tempo, era comum meu avô dizer que “esse menino se assusta com a própria sombra”. E sempre aparecia um colega com a história de que estava sendo seguido por alguém ou que o telefone de sua casa apresentava ruídos estranhos. Certo professor, por exemplo, pediu-me para que tivesse paciência e não revidasse as provocações dos possíveis agentes policiais infiltrados em sala de aula, pois, somente assim, ficaríamos sabendo quem era de fato aquele elemento. Em outras palavras, era melhor ter um agente conhecido do que outro desconhecido.

Hoje me vejo até pensando em quantas meninas bonitas, colegas de faculdade, deixei de paquerar com medo de que a beldade fosse uma espiã a serviço da polícia política. E aí? Como deveria calcular uma possível ação indenizatória de perdas e danos afetivos e sexuais? Era comum darmos voltas aleatórias em quarteirões com o intuito de verificar se estávamos sendo perseguidos. Pegar um ônibus na cidade, com destino muitas vezes oposto ao que iríamos de fato, era também uma medida preventiva para desviar a atenção de quem estivesse em nosso encalce. Essa paranóia foi se transformando em verdadeira loucura, causando danos irreversíveis em muitos dos meus companheiros de lutas políticas.

Nessa época, eu participava de um curso sobre ciências políticas patrocinado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), localizado à Rua São Paulo, próximo à Praça dos Leões, centro de Fortaleza. Debatíamos os caminhos da redemocratização do país e, vez por outra, a conversa esquentava por conta das correntes políticas de esquerda, cada qual querendo impor seus pontos de vista ideológicos. Foi lá que conheci um estudante do curso de Filosofia. Ele devia ter mais ou menos a minha idade, era falante e inteligente. Defendíamos algumas posições um tanto divergentes e a nossa conversa se prolongava após o debate, em direção à Praça José de Alencar, onde pegávamos os respectivos ônibus para casa.

Tínhamos vinte e poucos anos e esse neófito colega trazia uma mecha branca em seus cabelos. Veja bem, eu tinha uma informação – não me pergunte como a obtive – de que certo policial da repressão usava uma sutil mecha branca nos cabelos como uma espécie de identificação secreta. Então, em uma dessas caminhadas para pegar o ônibus de volta para casa, esse jovem estudante me pediu emprestado o livro O papel do indivíduo na História, de George Plekhanov, que eu levava comigo. Fiz de desentendido e mudei de assunto. Outro dia, ele voltou a pedir o livro emprestado – ao que parece, eu não estava de bom humor e, nessas horas, ficava mais radical do que de costume -, e lhe respondi de imediato: “Se você deixar de pintar os cabelos, vai poder comprar esse livro, pois ele não é caro”. O arguto aprendiz de filosofia não soube o que dizer e mudou de cor, ou melhor, ficou igual à mecha. Então, seguimos rotas opostas por quase trinta e cinco anos.

O tempo voou. Em uma tarde ensolarada na Praça do Ferreira, dirigi-me com meu filho à conhecida lanchonete Leão do Sul, onde íamos saborear pastel com caldo de cana. Eis que adentra o recinto o meu velho colega do curso de ciências políticas. Por um instante, ele não me reconheceu. Não tive dúvida e, movido pela satisfação em revê-lo, exclamei seu nome e lhe cumprimentei. Ele recobrou a memória e, sem me responder, bradou em alto e bom som: “Agora, você está de cabelos brancos, hein! De cabelos brancos, hein! De cabelos brancos!” Evidente que meu filho e toda a freguesia do estabelecimento, que estava lotado, ficaram apavorados por um momento.

Na ocasião, não pude deixar de me lembrar de uma lenda que ouvi quando criança, em noites de lua cheia pelo sertão do Ceará. Contavam que a cobra, quando ia beber água, deixava o veneno em cima de uma folha. Se, por acaso, um menino derrubasse o veneno da folha, a cobra ficava de tocaia o tempo que fosse necessário. Então, quando aquele menino, já adulto, voltasse ao local, a cobra dava-lhe uma picada com o veneno mortal da vingança. Penso que, com exceção de uns poucos, minha geração foi picada pelo veneno da paranóia.

Ainda bem que meu rancoroso colega filósofo não percebeu que quem tinha os cabelos mechados, desta de preto e sem indícios de código secreto, era eu.

FOGO NA ROUPA

A velhice pode ter saúde e alegrias picantes. Algumas vezes, ela é fogo na roupa, diziam os antigos. Veja bem, estava a engraxar os sapatos com o Pirrita na Praça do Ferreira e ouvi uma verdadeira algazarra no banco ao lado. Tratava-se de uma reunião informal de homens velhos em que as tiradinhas jocosas de uns com os outros eram o mote do encontro.


Não demorei a entender que o motivo de toda aquela brincadeira era um dos velhos. Ele devia ter entre setenta e cinco a oitenta anos e estava de encontro marcado. Sim, senhor! Ele iria encontrar-se com sua amante e, ali mesmo na frente de todos os outros, daria uma voltinha com o broto. Ele não estava nem um pouco preocupado com as indiretas dos amigos, ao contrário, parecia eufórico.


Eu suspeitava que aquele velho fosse comerciante ou advogado do centro da cidade, a qual sempre via como a “Iracema dos lábios de mel”, nas palavras de José de Alencar. Talvez fosse casado ou viúvo, isso pouco importa. O que vale é que aquele era o seu dia e sua energia estava irradiante. Até sua voz em tom grave lembrava os locutores de rádio de outrora, como se quisesse dizer que a coisa não falharia, entende?


Engraçado é que aquelas pilhérias e todo o lero-lero não tinham nada de depreciativo e, se não exagero, aquela forma de brincar beirava a sabedoria. Faziam piadas deles próprios em que a sutilidade e a inteligência eram os ingredientes. A conversa não era segredo, tampouco alarde, era um bate-papo agradável e somente o entenderiam aqueles que fossem do ramo. Discrição e bom humor – eis a fórmula da justa medida dos relacionamentos daqueles homens.


Os velhos da Praça do Ferreira, em sua maioria, são aposentados que moram com suas famílias e pertencem à classe média. São bem alimentados e devem tomar vinho ou uísque no final da tarde. Não gostei quando a amante do velho chegou, piscou o olho e seguiu em frente. Poderia muito bem ter esperado para saírem de mãos dadas.

FALÉSIAS FERIDAS

Canoa Quebrada (distrito de Aracati, a 159 km de Fortaleza) é a menina dos olhos do turismo cearense, cuja maior parte da população constitui-se de estrangeiros. O bonito povoado é infestado de lixo. Na rua principal, a famigerada Broadway, e por vielas e becos, espalham-se garrafas e sacos plásticos, latas de cerveja, papelão, restos de comida e dejetos de cachorro.

A grana da construção civil não respeita nem as falésias. Algumas já estão sendo corroídas pouco a pouco pela doce fúria do mar e, apesar disso, ainda encontramos um condomínio se erguendo perigosamente próximo a elas. Não é difícil prever que, mais cedo ou mais tarde, ocorrerá uma tragédia. Nessa hora a TV mostrará todos nós chorando a mea culpa pela dor alheia.

Canoa Quebrada divide-se em duas: a Broadway cercada de pousadas e a vila dos nativos, conhecida como Rua do Estevão, onde restam as casas dos antigos pescadores e as de seus filhos. Compreende-se, pois, que os nativos foram enxotados e sobrevivem a duras penas do pescado, do artesanato e do trabalho doméstico. Os moradores da Rua do Estevão ainda sofrem com o barulho dos cataventos da usina de energia eólica que foi instalada em seus quintais.

À noite, o reggae e o forró são lembrados por jovens músicos da Broadway, embora a lua cheia implore o blues e o jazz. Os altos decibéis que vêm das caixas de som de bares, pizzarias e casas de show dão o tom da balbúrdia, do desrespeito, da arrogância e, muitas vezes, até do mau gosto musical de seus proprietários. E não se assuste ao deparar-se pelos becos com hippies tardios e jovens mendigos drogados. Por enquanto, eles são mansos, jura o dono de um hotel, sob o olhar desconfiado de um nativo.

Os turistas ricos voam de asa delta e sobem e descem freneticamente as dunas em buggies. É uma pena que, lá de cima, eles enxerguem apenas aquém do horizonte. Visite canoa partida, o local é uma beleza! O turista quer fortes emoções. Ah, ele não sabe... As fortes emoções moram ao lado, com a gente pobre e humilde da Rua do Estevão.

ASSASSINARAM A CARAMBOLA

Uma árvore da família das oxalidaceae, conhecida como carambola, foi derrubada no final de abril, à rua Felino Barroso, paralela à SEMACE (Superintendência Regional do Meio Ambiente), no ainda bucólico bairro de Fátima, em Fortaleza. Parece até que foi um fim natural. Não foi! A bela planta centenária teve sua morte estrategicamente premeditada. Basta verificar os fatos.

Primeiro, cortaram seus galhos com o objetivo de dar mais espaço a fios elétricos, ônibus e caminhões. Alguns proprietários de residências que viviam sob sua sombra alegavam que as folhas sujavam a calçada com freqüência e que os galhos crescidos, em dias de vento, quebravam as telhas de suas casas. Acontece que ela não foi podada de maneira correta, com gente especializada e ferramentas adequadas.

Há alguns meses, literalmente depenaram a frondosa carambola. Frutos e folhas foram minguando e, assim pelada, com uns poucos galhos feridos, ela foi morrendo lentamente. Havia esperança de que a velha árvore renascesse com as chuvas do inverno. Nesse caso, lamento ainda não ter conhecido as heróicas salvadoras de árvores Vilani e Alba.

Mas, eis que em um dia de chuva fina, na calada de uma manhã triste, eles vieram dispostos a dar o golpe de misericórdia na carambola agonizante. Encontrava-me no trabalho quando minha companheira telefonou dizendo que estavam derrubando a árvore. Atarantado, procurei ligar para alguns amigos. Esperei inocentemente que aquela turma de jovens da propaganda televisiva de um tal celular pudesse aparecer de repente nos galhos da carambola e a salvasse. Em vão.

Então, quando estava prestes a encerrar este artigo, tomei conhecimento de que outra árvore, uma Ficus benjamina, acabara de cair em frente ao Mercado Central, no centro de Fortaleza. Um funcionário da Prefeitura declarou que a população impede a derrubada de árvores com o caule comprometido. As árvores antigas, como as pessoas velhas, precisam é de cuidados e carinhos – perguntem a Vilani e Alba!

A CULPA É DA MULATA

Ainda bem que o carnaval terminou! Tudo bem que o carnaval é a catarse em que o povo brasileiro oprimido bota seus diabinhos pra fora. É como se tudo fosse permitido, inclusive assaltar e assassinar. Mas, nesses dias de momo, era preciso paciência para aguentar tantos idiotas vivendo a farsa da alegria.

São longos quatro dias que a vadiagem insiste em esticar no rastro de trios elétricos tocando música péssima, ouvida e cantada por um magote de gente boba que sai pulando num histerismo sem parâmetro na história da humanidade. E tudo começa com um tal de mela mela de goma e spray colorido, quando o jovem estudante, a recatada dona de casa ou o sisudo cidadão se transformam no bloco em desfile pela avenida das “celebridades” em busca do troféu dos alienados.

E quem disser que não foi assaltado nesse carnaval é mentiroso. O sujeito pode até ter se safado dos trombadinhas, o que acho quase impossível, porém, não conseguiu escapar dos absurdos preços que lhe foram cobrados pelos hotéis, bares, táxis etc. E não caia com uns trocados para a dupla que se diz da polícia para ver o que lhe acontece! Aí você está lascado.

O carnaval, e o excesso de seus componentes aparvalhados, é o atestado que a nação brasileira não persegue um projeto político e social com seriedade. Nesse quesito, o sistema capitalista é cruel: ele dá a entender no mundo do faz de contas que o povo é livre nos quatro dias mominos para, em seguida, como vingança, escravizá-los durante o ano inteiro. Ou seja, a fantasia de rei e rainha somente em fevereiro, nos demais meses, muito trabalho e banzo para a ralé.

Aqui, devo confessar, caro leitor, que beirando os sessenta anos, trinta e cinco de casado, pai de família, até então exemplar, trabalhador e cumpridor dos seus deveres, caí na tentação, pois a carne é mesmo fraca. Esbaldei-me no carnaval! A culpada foi uma sensual mulata de entortar quarteirão e fazer erigir uma, ou melhor, várias, torres gêmeas. A propósito, preciso verificar o extrato de minha conta bancária...