terça-feira, 29 de abril de 2008

CAVALO-FERRO

O sertão está lindo. Tudo lá é verdejante. Rios, riachos e grotas estão cheios. Os peixes vão à procura da desova e, ao contrário da corrente, sobem às águas de cabeça acima, pululam a olhos vistos a concretizar o milagre da multiplicação na mesa dos sertanejos. É chegada a hora de visitar seu torrão e sua gente porque, depois de julho, a paisagem começa a mudar de cor. Êpa! É bom se prevenir. No sertão nem tudo está às mil maravilhas. O inverno está sendo ótimo, mas há anos não chovia tanto, então as terras ficaram embrejadas - foi um aguaceiro de lascar. O homem do campo acostumado a plantar nas primeiras chuvas, logo perdeu as sementes. Por sinal, não se vê mais adjutórios nas roças. Aqueles que insistiram em plantar plantaram tarde e, por enquanto, ainda não é tempo de colheita. Em outras palavras, teremos uma safra de pouco milho e feijão.

Apesar da alegria nos rostos dos mais velhos, convém não se empolgar. O sertão não é mais o mesmo. Os animais, por exemplo, estão desaparecendo. O gado, nas pequenas e médias fazendas, é bem pouquinho. O leite mal sobra para um queijo fresco de coalho que, por sua vez, caiu de preço no mercado. Os cavalos, burros e jumentos são raridade nos terreiros das casas. As feiras desses animais estão se acabando.

Aliás, nunca vi tanta motocicleta pelas estradas vicinais do sertão. O jumento perdeu a serventia, agora se tange a miunça montado no cavalo-ferro. Não se escuta o aboio do vaqueiro e nem o canto melancólico da Asa Branca. Luiz Gonzaga fez bem em ter se mudado para o céu, ele não iria agüentar esse forró sem musicalidade e, muito menos, essas letras sem poesia que tocam pelas bandas do interior. A moto virou o sertão de cabeça para baixo. Com ela e com o celular, os assaltos passaram a ser a marca registrada da zona rural. Até a reforma agrária deixou de ser o ideal da juventude.

Hoje, sem o sonho de dias melhores numa terra em que poucos trabalham, os jovens do sertão, à base de pedra na lata, falam numa vaquejada em que a motocicleta tomou lugar do cavalo. Oxente!

quinta-feira, 17 de abril de 2008

NEM CHORO, NEM VELA


É preciso que se diga que vivemos em um tipo de sociedade com um nível de alienação nunca antes alcançado. A vida coisificou-se, virou mercadoria descartável, igual ao objeto em uma embalagem de plástico que, após ser usado, se amassa e se joga no lixo. Os sentimentos de perda, separação e saudade passaram a ser coisas de nostálgico, de gente velha e ultrapassada.

Esse caso do assassinato da menina Isabela Nardoni, asfixiada e jogada pela janela do sexto andar - um horrível crime envolto em mistério -, em que o Promotor Público acusa a madrasta e o próprio pai da criança, é exemplar. Até o presente, ninguém os viu chorar, pelo menos em nenhuma imagem da televisão. É lamentável dizer, mas a mãe de Isabela também não chorou, com a desculpa de que a filha não gostava de vê-la triste.

Não será necessário ir a São Paulo, pois aqui no Ceará, há pouco tempo, um dos canais de televisão local mostrou o descaso com a vida de uma criança que caiu dentro de um buraco cheio d’água, lama e entulho, em um bairro da periferia de Fortaleza. O pai da criança, ao ser entrevistado, diante da câmera, simplesmente disse: “O menino estava tomando banho, afogou-se e morreu”. Falou assim, sem choro, nem vela.

Outra cena, essa por demais conhecida, exibida em todos os programas policiais e sensacionalistas das televisões brasileiras é de puro humor negro: o indivíduo assassinado está caído ao chão, coincidentemente próximo a um terreno baldio de um bairro pobre, e, ao fundo, há um bando de jovens gesticulando para a câmera, fazendo símbolos referentes ao rock, ao nazismo, às torcidas organizadas de times de futebol etc; ao morto, sequer um olhar.

À propósito, quando Karl Marx escreveu que o capitalismo tinha o poder de transformar todas as coisas – materiais e imateriais – em mercadorias, seus críticos disseram tratar-se de simples alegações de um filósofo esquerdista. O caso do assassinato da menina Isabela e de outras vem comprovar que hoje a indiferença à vida é parte intrínseca do capitalismo, alienante e cruel.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

SOCIALISMO OU BARBÁRIE


Em 10 de fevereiro último, escrevi o artigo “Esqueceram o Socialismo”, publicado na coluna “Opinião” do Diário do Nordeste. Em razão desse argumento, recebi diversos e-mails de conservadores zangados a esquerdistas saudosos. Preferi, no entanto, responder aos que indagaram sobre a importância do socialismo nos tempos atuais. Antes de tudo, penso que o mencionado artigo atingiu seu objetivo em fustigar os leitores e atores políticos sobre o ideário socialista que moveu e ainda move tanta gente a lutar por uma sociedade que persegue o caminho da justiça social.

A questão central é que a tentativa neoliberal de ressuscitar o capitalismo como solução aos graves problemas da humanidade redundou em trágico fracasso no mundo, inclusive no Brasil na era FHC, com as vendas das estatais a preço de banana, o aumento da concentração de renda e, conseqüentemente, das camadas de pobreza. Embora essa questão suscite outros debates, é fato irrefutável que não é da natureza do regime capitalista de produção resolver os eternos dilemas que afligem a sociedade, tais como: a miséria, a exploração da maioria pela minoria, o desemprego crônico, os conflitos econômicos, as guerras etc. Portanto, as mesmas crises estruturais do capitalismo estudadas por Marx e Engels continuam a emperrar o desenvolvimento do gênero humano.

Acontece que, nas últimas décadas, esses problemas foram acrescidos de um sério agravante - a burguesia vem sistematicamente destruindo a natureza e colocando em risco o fim da vida no planeta. Nesse caso, a máxima “Socialismo ou Barbárie” (Marx) continua válida e posta como o grande desafio histórico para quem pensa o futuro do ser humano em sociedade. Eis, então, a importância de ainda por em pauta o debate sobre o socialismo.

É através da questão ecológica que o povo – incluindo trabalhadores, estudantes, religiosos, intelectuais, políticos e até empresários bem intencionados – está tomando consciência do limite extremo do capitalismo imperialista de concentração de riquezas e destruição de bens humanitários. Faz-se necessária a criação urgente de um conselho internacional de gestão ecológica que possa intervir, com profundidade e eficácia, onde exista ameaça à vida no planeta (dispenso os comentários arcaicos dos nacionalistas xenófobos). A combinação de medidas locais, nacionais e internacionais deverá constituir a postura dos que acreditam em um futuro de paz e desenvolvimento social compartilhado.

Existem outras medidas inadiáveis para o fazer do caminho socialista. A reforma agrária, por exemplo, deveria ser implementada no contexto da propriedade privada e no espírito do associativismo. Esse processo, por mais paradoxal que pareça, deve ser levado a cabo pela autoridade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e pela experiência do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), que, por sua vez, envolve a militância em regime de educação solidária.

É importante destacar o esforço das centrais sindicais e do governo brasileiro, respaldados na opinião pública, para que o Congresso Nacional ratifique a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na qual procura restringir a dispensa imotivada do trabalhador do emprego. É preciso que fique claro que o emprego é uma conquista da sociedade e a melhor garantia de paz. Por outro lado, isso leva a repensar a questão do controle dos lucros das empresas. Não obstante existir na legislação brasileira – Lei 10.101, de 19/12/2000 – a garantia do trabalhador à participação nos lucros da empresa, na prática, há toda uma burocracia que trava esse ganho. Uma das propostas para tornar essa idéia viável seria a criação de um conselho contábil por empresa com a participação operária, patronal e governamental. Aliás, em todos os níveis deveria haver esses colegiados com direito a opinar e decidir sobre as questões importantes das empresas. Com certeza haveria menos falência, mais garantia de emprego e mais motivação no trabalho.

É com base neste tripé – ecologia, reforma agrária e controle operário contábil nas empresas – que, no caso do Brasil, devem se dar os primeiros passos rumos ao socialismo. Sem nenhum preconceito, o socialismo deve ser encarado como uma conquista inteligente da humanidade contra a estupidez do lucro como um fim em si. Sua implantação será dentro de um processo democrático. A história comprovou que nada imposto de cima para baixo se sustenta. Em razão de o socialismo ser um conjunto de idéias ousadas e revolucionárias, ele somente terá êxito através de uma campanha educacional em massa, prioritária, permanente, que desemboque em um movimento radical da sociedade. Seria interessante que prefeitos comprometidos ideologicamente com a esquerda mostrassem experiências socializantes que servissem de exemplo para o bem da administração pública. Não se pode admitir é que políticos eleitos por partidos com sustentação eleitoral na classe trabalhadora esqueçam o socialismo e tardem o sonho da construção de uma sociedade mais civilizada, justa e igualitária.