domingo, 30 de março de 2008

GARIMPO DOS TEMPOS MODERNOS


Da janela de um carro atolado, diante de um terreno com aproximadamente quinhentos metros quadrados, conheci um dos lixões da periferia de Maracanaú (19 km de Fortaleza). Havia chovido e a lama procurava tornar aquele lugar seu habitat de pântano. Homens, mulheres e crianças, em cujos rostos traziam a marca indelével da sujeira e da miséria, locomoviam-se na areia movediça da luta pela vida.

Talvez houvesse entre sessenta a setenta esquálidos seres humanos, mas tenho certeza de que, para cada pessoa, deveria haver cinco urubus e outro tanto de ratos que disputavam ferozmente o resto de alimentos apodrecidos. Havia um latão de lixo contendo refeições inaproveitáveis de algum restaurante da redondeza. Pude ver a alegria das crianças - ketchup e maioneses em meio às abundantes moscas e baratas.

Aqueles trabalhadores são conhecidos como catadores de lixo. Poucos tinham botas ou luvas. Suas pernas penetravam na lama até o meio da canela. O lixo reciclável - plástico, papelão etc. - é vendido no quilo para um atravessador (cujo nome eles se negam a dizer) que, por sua vez, revende para uma cooperativa ali instalada e protegida por seguranças.

Os lixões podem ser denominados de os garimpos dos tempos modernos, dado à proliferação nos arredores das cidades. Com uma significativa diferença: eles, os trabalhadores, não têm esperança de encontrar nenhuma pepita de ouro que os tornem ricos. Simplesmente almejam à sobrevivência, não querem morrer de fome e afirmam, agora sem medo ou vergonha, que estão ali porque não encontraram outro tipo de emprego.

Havia um catador que, após colocar lixo no saco, levantava as mãos e os olhos para o céu, proferindo palavras inaudíveis. Achei-o parecido com um conhecido santo de Assis, embora todos fossem o retrato da piedade e portassem um sorriso cariado e uma faca na cintura. Diante desse triste quadro, ainda vêm me falar de neoliberalismo, livre mercado e cooperativismo? Francamente...